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O relevo artístico da psicanálise

Atualizado: 29 de abr. de 2022

Não é novidade que as produções artísticas e suas mais diversas linguagens instigam as reflexões dos psicanalistas. Os romances, as tragédias gregas e as artes plásticas, são apenas alguns exemplos, além disso, a trama de Sófocles, “Édipo Rei”, é a mais marcante presença das personagens trágicas no discurso psicanalítico, isso porque, a partir do mito presente na encenação, Sigmund Freud realiza uma aproximação entre narrativa e os percalços inconscientes do desenvolvimento infantil.

Outro exemplo da presença de conteúdos artísticos está em “O delírio e os sonhos na Gradiva de Jensen”, aqui, temos literatura e representação plástica como plano de fundo para se pensar questões analíticas. Neste estudo, Freud se arrisca a interpretar os sonhos criados pelo escritor Wilhelm Jensen na trama de sua personagem, o jovem Norbert Hanold. A justificativa para tal empreendimento seria a capacidade do escritor de descrever com uma riqueza de detalhes as fantasias, os desejos e até mesmo o processo de adoecimento psíquico. Robert Hanold é um jovem arqueólogo, viajando por Roma ele se depara com uma obra de arte e fica admirado, trata-se de uma figura feminina esculpida em baixo-relevo. Hanold decide levar para seu gabinete na Alemanha uma cópia em gesso da obra e a deixa em seu escritório, onde pode observá-la mais cuidadosamente.

No desenrolar do romance, o jovem inicia uma busca empírica por pistas capazes de lhe certificar da existência real de Gradiva e da forma peculiar de seus pés, interrompe seu trabalho laboratorial e observa as mulheres que transitam pelas ruas. Frustrado por não encontrar nenhum caminhar que se aproxime do esculpido, o arqueólogo viaja para Pompeia tentando recriar a cena imaginada, neste processo, pouco a pouco a personagem apresenta um sofrimento psíquico que se aprofunda à medida que a narrativa transcorre. É a capacidade do criador literário de descrever o processo de adoecimento com tamanha riqueza de detalhes que surpreende. Outro fato interessante desta novela é sua inspiração em uma escultura real, cuja composição original retrata três figuras femininas, atualmente o fragmento encontra-se no museu Chiaramonti, no Vaticano. Segundo os dados do museu, na obra, três mulheres se deslocam para a direita e são associadas a outras três figuras femininas, espelhando-as, são chamadas Horae e Aglaurids, provavelmente derivadas de um original grego do século IV a.C.

Bem, a presença da arte e de famosos artistas não parou com Freud, o caráter impressionante da obra de arte e sua capacidade de nos emocionar, continua inspirando a psicanálise. As linguagens artísticas não são apenas objeto de reflexão teórica, ela convoca a analista a experienciar o impacto da arte e do fazer artístico. É também no setting analítico que se constata que a arte possibilita uma experiência singular diante da letra, da escultura, da música, do cinema e da encenação.

Em tempos tão impactantes, faz-se esperança o dançar; a música cantarolada é um compartilhamento vivo; já o filme, aquece. A experiência produzida diante do objeto da arte causa movimentações, emoções e afetos. Essa experiência, por vezes sentida de forma solitária, mas passível de ser compartilhada em análise, carrega algo das tramas vividas, ou por vezes, figura as expressões daquilo que não cabe na realidade, mas certamente todos esses conteúdos que habitam as fantasias, os dilemas cotidianos e o sentir, promovem um lugar comum entre as pessoas.





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